quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Quem paga mal paga duas vezes: Só se for notificado da cessão. Decisão do TJSP

VOTO N°: 7996
APEL.N0: 990.10.138724-7
COMARCA: SANTOS
APTE. : APLIC FACTORING FOMENTO MERCANTIL LTDA
APDO. : ROMULO LUÍS DA SILVA COSTA
CERCEAMENTO DE DEFESA. Alegação de nulidade da r. sentença por falta de prova testemunhai. Desnecessária a produção de outras provas, além daquelas já existentes nos autos. Presença dos elementos necessários ao julgamento antecipado da lide - Faculdade
do Julgador de assim proceder – Preliminar rejeitada.
DECLARATÓRIA. NULIDADE DE TÍTULO DE CRÉDITO - CHEQUES. "FACTORING". CONTRATO ATÍPICO.
APLICAÇÃO DAS REGRAS RELATIVAS À CESSÃO DE
CRÉDITO. INEXISTÊNCIA NOTIFICAÇÃO DO CEDIDO -
PAGAMENTO REALIZADO AO CREDOR PRIMITIVO -
VALIDADE. Tendo sido os cheques transferidos para empresa de faturização, deve o devedor ser notificado dessa transferência, para que a operação tenha eficácia perante ele (art. 290, primeira parte, CC) . Inexistindo tal notificação ou ciência da transmissão dos cheques ao factor, deve ser considerado válido o pagamento efetuado pelo devedor diretamente ao antigo credor (art. 292,
primeira parte, CC) . Sentença mantida.
Recurso não provido.
Irresignado com o teor da r. sentença proferida às fls. 112/115 dos autos que julgou procedente a ação para declarar inexigíveis os cheques discutidos nos
autos, bem como para cancelar os respectivos protestos cambiais, insurge-se a empresa ré, ora apelante, pleiteando, em suma, a reforma da r. sentença para que seja afastada a declaração de inexigibilidade dos títulos de crédito e para
que seja mantida a inscrição do nome do apelado era/jargâo de restrição ao crédito.

O apelado apresentou contrarrazões (fls. 143/153), na qual pleiteia a condenação da ré por litigância de má-fé.
Recurso processado e respondido.
É o relatório.
O recurso não merece provimento.
De plano, deve ser apreciada a preliminar de cerceamento de defesa arguida pela apelante,
sob o argumento de que não lhe foi tolhida oportunidade para produzir prova testemunhai.
Cabe ao Julgador, de forma discricionária, analisar os autos e os atos praticados, inclusive, verificando as provas produzidas e, se for o
caso, em razão de sua convicção íntima, determinar a
produção de outras provas que entender necessárias para a elucidação do caso em concreto ou julgar a lide de forma antecipada.
O MM Juiz a quo tinha em mãos todos os elementos para apreciar os argumentos desenvolvidos na
presente ação, os documentos acostados aos autos bastaram para a formação do seu convencimento e permitiram o exame adequado das questões discutidas, portanto, desnecessária a produção de outras provas.
No mais, a questão trazida à baila,
não necessita de outras provas a serem produzidas, satisfazendo-se pela produção de prova documental, sendo, portanto, matéria de fato e de d i r e i to que não necessita de prova a ser produzida em audiência. Nesse sentido:
"Presentes as condições que ensejaram o
julgamento antecipado da causa, é dever do
juiz, e não mera faculdade, assim proceder.,fl
"Inexiste cerceamento de defesa se os fatos
alegados haveriam de ser provados por
documentos, não se justificando a designação
de audiência".2
XU. Constantes dos autos elementos de prova
documental suficientes para formar o
convencimento do julgador, inocorre
cerceamento de defesa se julgada
antecipadamente a controvérsia."3
"PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA.
INEXISTÊNCIA. - Não há cerceamento de defesa
pelo julgamento antecipado da lide se todas
as questões de fato estavam bem instruídas e
se as demais questões eram unicamente de
direito, a dispensar produção de provas."*
"RESP. PROCESSO CIVIL. JULGAMENTO ANTECIPADO
DA LIDE. QUESTÃO DE DIREITO. DEVER DO JUIZ. -
O art. 330, do CPC, impõe ao juiz o dever de
conhecer diretamente do pedido, proferindo
sentença, se presentes as condições que
propiciem o julgamento antecipado da causa,
descogitando-se de cerceamento do direito de
defesa. - Recurso conhecido e provido para
restabelecer a sentença de 1. Grau"5
n0 art. 330, do CPC, impõe a juiz/óTdéver de
conhecer diretamente do/ pedid&í proferindo
1 STJ - 4 * Turma, REsp 2.832-RJ, rei. Min. Sávio de Figueiredo, j. 14.8.90, negaram provimento, v.u., DJU I7.Í9Q<-p79.513. (Ness^mesmo sentido: vide RSTJ
102/500 eRT 782/302).
2 STJ - 3a Turma, REsp 1.344-RJ, rei. Min. Eduardo Ribeiro, DJU 4.12.89.
5 STJ - 4' Turma, AgRg no Ag 14952/DF, rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 03.02.1992, p. 472.
4 STJ - 3' Turma, AgRg no REsp 767738/MT, rei. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 08.05.2006, p. 211
5 STJ, REsp n. 112427-AM, Rei. Min José Arnaldo da Fonseca, j . em 3.4.1998, DJU 26.5.1998, p. 22557.
sentença, se presentes as condições que
propiciem o julgamento antecipado da causa,
não se cogitando de cerceamento do direito de
defesa." (TJMG - Apelação n"
2.0000.00.509089-7/000(1) - Rei. Des. DÍDIMO
INOCÊNCIO DE PAULA - Data de publicação do
Acórdão: 03/09/2005)
Destaque-se que o MM Juiz singular não dispensou arbitrariamente a produção de prova arguida pela
recorrente, pois presentes estavam os requisitos para o julgamento antecipado da lide.
Vale destacar, ainda, que o MM Juízo a
guo agiu em conformidade com a legislação pátria, dando efetiva aplicação aos artigos 130 e 131 ambos do Código de Processo Civil.
Registre-se, por ser de rigor, conforme estipula o artigo 14, inciso IV do Código de Processo Civil, que não é dado aos participantes do processo, em especial, ao Julgador, permitir a produção de
provas desnecessárias à elucidação da lide.
Desta forma, rejeita-se a preliminar arguida.
Em breve síntese, trata-se de demanda declaratória, na qual o autor, ora apelante, prafoendeu a nulidade de títulos de crédito (cheques), .em/razão de
quitação obtida perante o primeiro beneficiário das
cambiais.
A ré, ora apelante, empresa de factoring, por sua vez, alegou que recebeu os títulos da primeira beneficiária, em atividade de fomento mercantil,
arguindo, ainda, dentre outros aspectos, a aplicação do princípio da inoponibilidade das exceções pessoais.
A r. sentença recorrida, com precisão, deixou registrado que a transferência de títulos de crédito
a empresa faturazidora é regulada pela regras relativa à cessão de crédito.
Na verdade, o factoring ou fomento mercantil é contrato atípico, ou seja, pacto sinalagmático que não possui ainda regulamentação legislativa específica.
E, assim sendo, como dito, adequada a aplicação das regras relativas à cessão de crédito ao contrato de fomento mercantil, pois, inequívoco que o mesmo
se materializa por meio de relação contratual.
O Ilustre Professor Carlos Roberto Gonçalves6, sobre o tem, leciona que:
"O factoring é contrato bilateral ou sinalagmático, porque gera obrigações para
ambos os contratantes}/ oneroso/ tendo em vista que os contraenties obtêm/proveito, ao
qual corresponde um sacrifício; consensual, uma vez que se aperfeiçoa com o acordo de
vontades; e de trata sucessivo, pois a sua execução se prolonga no tempo. É também
contrato atípico, cujo perfil ainda não foi regulado em lei específica. Por tal razão,
rege-se pelas normas da cessão de crédito e da comissão (CC, arts. 286 a 289 e 693 a
709)." (o grifo não consta do original)
Assim sendo, de rigor para a hipótese fática narrada nos autos, que o cedido ou devedor, no caso o apelado, tivesse sido notificado, antes do pagamento, para que efetuasse a quitação do título perante o factor e para que a cessão do referido crédito tivesse eficácia perante ele (artigo 290, primeira parte, do Código Civil). Nesse sentido:
"AÇÃO DECLARATÔRIA DE INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO - CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO - FATURIZAÇÃO - CESSÃO DE CREDITO - APLICAÇÃO
DA LEGISLAÇÃO CIVIL - NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR - INEXISTÊNCIA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Aplica-se, às operações de factoring, as
normas previstas no Código Civil relativas à cessão de crédito, ante a sua natureza
contratual. Para que a cessão de crédito, efetivada entre cadente-faturízada e
cessionário-faturizador, tenha eficácia em relação ao devedor, imprescindível se faz a
notificação deste quanto a tal operação, a teor do artigo 290 do CC/2002. Nas causas em
que não houver condenação, os honorários advocatícios devem ser fixados de
conformidade como o § 4' do artigo 20 do CPC. Recurso não provido." (TJMG - Apelação n"
1.0024.04.513848-4/001(1) - Rei. Des. Roberto Borges de Oliveira - J: 20/03/2007)
Não ocorrendo tal notificação como adequada a aplicação do disposto primeira parte, do Código Civil, que admite como válido o pagamento efetuado pelo cedido, quando não tomou conhecimento da transferência do crédito ao cessionário,
diretamente ao credor primitivo.
Assim, o documento de fls. 11 dos autos demonstra, de forma efetiva, que a quitação dos cheques em questão deu-se perante o antigo credor, quando então o cedido, no caso o apelado, não tinha conhecimento da
transmissão dos referidos t í t u l o s , razão pela a obrigação deve ser considerada, para todos fins, cumprida.
0 Ilustre Mestre Silvio de Salvo Venosa7 apresenta, com precisão, o seguinte ensinamento, a saber:
"Como contrato bilateral, a faturização cria direitos para ambas as partes. 0 cedido, ou
terceiro que efetuou a compra ou beneficiou-se da prestação de serviços, se notificado da
cessão, deve pagar ao factor. Se não foi notificado da cessão, pagará validamente ao
credor originário (art. 290; antigo, art. 1.069) do Código Civil." (o grifo não consta
do original)
Nesse mesmo diapasão, a orientação da
jurisprudência é a seguinte, a saber:
"AÇÃO DE CANCELAMENTO DE PROTESTO - CHEQUE -
CESSÃO DO CREDITO – FÃ NÃO NOTIFICADO - PAGAMENTO AO PRIMITIVO
CREDOR - VALIDADE - EXCEÇÃO PESS^AL/Tendo
sido o crédito /transferido \para o faturizador, deve o devedor ser notificado
dessa transferência, o que pode ser feito por qualquer documento escrito, seja público ou
particular. Só será o devedor obrigado a pagar ao cessionário ocorrendo essa
notificação. Assim, antes de ser notificado será válido o pagamento feito ao credor
primitivo, no caso o vendedor, nos termos, entre nós, do art. 1.071 do Código Civil de
1916 (Novo, art. 292). Comprovada a outorga de quitação do cheque pelo primitivo credor, impõe-se a averbação do cancelamento do protesto tirado pelo cessionário do título, se o devedor não foi notificado da cessão."
(TJMG - Apelação n" 1.0024.01.542975-6/001(1)
- Rei. Des. Domingos Coelho - J: 06/07/2006) "Ação declaratória de anulação de título de crédito c.c. pedido de declaração de inexigibilidade de obrigação cambiaria e
cancelamento de protesto, precedida de cautelar de sustação de protesto, julgadas
improcedentes - Apelação da autora firme nas teses de que (1) a faturizadora protestou
indevidamente duplicatas já pagas à faturizada, contra ela; (2) os títulos são
inexigíveis porque houve acordo de resgate antecipado firmado com a faturizada, credora originária; (3) não foi notificada da cessão de crédito celebrada entre faturizada e a faturizadora, conforme prevê o art 290, do CC e a cláusula 8a do contrato de factoring; e, (4) como não foi previamente notificada da cessão, o pagamento antecipado feito à faturizada deve prevalecer - Preliminar de inovação em sede de recurso suscitada nas contra-razões que se afasta com base no art 517, do CPC - Acolhimento do inconformismo - Inexigibilidade dos títulos - Pagamento
antecipado feito de boa-fé - Autora que não foi previamente notificada da cessão dos
créditos, nos termos do art 290, do CC - Prevalecimento do pagamento feito ao credor
originário, conforme dispõe o art. 292, do/CC Recurso conhecido ei provido." (TCfsP -
Apelação n° 7254555200 - ll*/^dâpára de Direito Privado - Rei./'Des. MOuraZ/Ribeiro -
J: 31/07/2008) / / //

Assim, a quitação retratada pelo
documento de fls. 11 dos autos considera-se aperfeiçoada,
devendo, como bem decidido, ser reconhecida a
inexigibilidade dos títulos de crédito em discussão e a nulidade dos respectivos protestos tirados.
Por fim, deve ser registrado que não deve ser acolhida a pretensão do apelado, no sentido de a
apelante ser condenada por litigância de má-fé, pois não se mostram presentes as hipótese previstas no artigo 17 do Código de Processo Civil.acima lançados, nega ato, nos exatos
(ao recurso. Nega-se provimento ao recurso.
Des. Roberto Mac Cracken
Relator

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