quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Ação de revisão de contrato contra factoring. Ação improcedente

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de
Apelação n° 990.09.317811-7, da Comarca de Sorocaba,
em que é apelante PRIMOTEC INDUSTRIA E COMERCIO LTDA
sendo apelado MIRA FACTORING FOMENTO MERCANTIL LTDA.
ACORDAM, em 11" Câmara de Direito Privado do
Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte
decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO E AO
RECURSO DE APELAÇÃO. V.U.", de conformidade com o
voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos
Desembargadores VIEIRA DE MORAES (Presidente sem
voto), GIL COELHO E RENATO RANGEL DESINANO.
São Paulo, 29 de abril de 2010.
GILBERTO DOS SANTOS
RELATOR
Comarca: SOROCABA - 5a VARA CÍVEL
Apelante: PRIMOTEC INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA.
Apelada: MIRA FACTORING FOMENTO MERCANTIL LTDA.
VOTO N.° 14.279
REVISÃO DE CONTRATO. Operação de "factoring".
Negócio particularizado e independente de outras
operações eventualmente realizadas, que, inclusive, nem
foram indicadas nos autos. Desnecessidade, pois, do exame
de "todos" os negócios entre as partes, até porque a ação
judicial se assenta em atos e fatos jurídicos afirmados ou
negados, servindo a prova apenas como meio de verificação
das proposições que os litigantes formulam em juízo. Não é,
pois, espécie de "auditoria" destinada a remexer, a
escarafunchar, a vida dos litigantes à procura de algo que
eventualmente interesse a estes. Prova pericial afastando a
alegação de que teria havido cobrança de juros
capitalizados. Verba honorária razoavelmente arbitrada.
Ação improcedente. Agravo retido e apelação não providos.
Trata-se de apelação contra r. sentença (fls.
237/241), cujo relatório fica adotado, que julgou improcedente ação revisional de
contrato de "factoring", condenando a autora ao pagamento de custas e honorários
de advogado arbitrados em 15% do valor atualizado da causa.
Apela a autora (fls. 252/266), de início reiterando o
agravo retido de fls. 214/219, contra r. decisão que reputou adequado o laudo
pericial, e no mérito pedindo a reforma do julgado. Alega cerceamento de defesa,
pois ao seu dizer era indispensável a análise de "todos os cálculos" e de "todas as
operações de fomento realizadas". Insiste na alegação de que teria havido
cobrança de juros de 3% ao mês, na forma capitalizada, portanto com afronta à lei.
E de resto impugna a verba honorária, reputando-a exagerada para o caso.
Recurso preparado (fls. 266/267) e respondido (fls.
274/279) pela manutenção da r. sentença.
É o relatório.
Conheço do agravo retido, mas a ele nego
provimento.
Ao contrário do que sustenta a apelante, o que é
deveras lamentável, triste mesmo, é a insistência na pretensão fundada em
alegações meramente genéricas, sem nenhum fomento jurídico.
De fato, bem analisados os autos, verifica-se sem
sentido a pretensão da apelante de que deveriam ter sido examinadas "todos" os
negócios havidos "desde o início das operações de fomento havidas" entre as
partes. No entanto, em nenhum momento dos autos ela própria aponta ou indica,
quais teriam sido "todas" essas operações, quando ocorreram, seus valores etc, de
modo a viabilizar seu eventual exame.
Esquece-se a apelante, ou provavelmente ignora, que
sem essa prévia alegação particularizada resulta inviável tal verificação, porque é
sabido que "o fato indeterminado, ou indefinido, é insuscetível de prova" (MOACYR
AMARAL SANTOS, Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, IV vol.,
pág. 35, 3a ed.).
A ação judicial se assenta em atos e fatos jurídicos
afirmados ou negados, servindo a prova apenas como meio de verificação das
proposições que os litigantes formulam em juízo. Não é, pois, espécie de
"auditoria" destinada a remexer, a escarafunchar, a vida dos litigantes à procura de
algo que eventualmente interesse a estes.
A prova civil, como explica EDUARDO
COUTURE, "não é uma averiguação" e nem o Juiz civil é um investigador da
verdade, pois a este em regra não compete conhecer de outra prova senão
daquelas que lhe subministram os litigantes (Fundamentos dei Derecho Procesal
Civil. 3a Ed. Buenos Aires: Depalma, 1966, p. 217-218).
Logo, a pretensão de revisão do contrato não podia
ser aceita apenas com base em teses, filosofias e lamentações, sem apresentar e
particularizar fatos, que é o que interessa e importa.
É preciso ser definitivamente entendido que o
Código de Processo Civil dispensa demonstração de erudição, bastando ver que o
seu artigo 282 diz que a petição inicial deve indicar, entre outros requisitos,
apenas "o fato e os fundamentos jurídicos do pedido" (inciso III).
E como explica VICENTE GRECO FILHO o
Código, "ao exigir a descrição do fato e o fundamento jurídico do pedido, filiou-se à
chamada teoria da substanciação quanto à causa de pedir. A decisão julgará procedente,
ou não, o pedido, em face de uma situação descrita e como descrita" (Direito
Processual Civil Brasileiro. Vol. 2. 13a ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 98).
Daí a razão pela qual a petição inicial deve ser
elaborada com precisão, sem omissões e de maneira bastante clara e completa,
pois só assim é que poderá propiciar uma decisão judicial coerente com a correção
da alegada lesão de direito que se pretende corrigir.
Por conseguinte, se o autor pretende a revisão de
determinado contrato, precisa identificá-lo de forma exata; se pretende afastar a
capitalização de juros, precisa demonstrar que esta ocorreu, onde e quando
ocorreu etc; se alega abuso por parte do outro contratante, precisa particularizar
esse abuso, dando-lhe contornos fáticos; se alega lesão, precisa demonstrar a sua
efetiva ocorrência, onde, como e em qual medida se deu; se diz de cláusulas
abusivas, precisa indicá-las e explicar o porquê da entendida abusividade, ou
onde, como e porquê estariam a causar desvantagem exagerada ou onerosidade
excessiva; e assim por diante.
Não basta, portanto, unicamente dizer que a lei veda
a capitalização, que os tribunais reconhecem tal ou qual situação abusiva, que isso
ou aquilo é imoral etc, etc, etc. Tudo isso, conquanto possa ter relevância, porque
demarca posições, na verdade não passa de mera alegação em tese, que pode ou
não servir ao caso concreto.
Nem é possível, por outro lado, admitir petições do
tipo "se pegar, pegou", que lançam um emaranhado de situações teóricas ou
genéricas e pedem ao Juízo que as desvendem, como se este fosse um
"investigador" a serviço da parte, com o encargo de apurar e corrigir alguma
irregularidade eventualmente encontrada.
A Constituição Federal consagra o princípio básico
de que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a
ela inerentes" (art. 5o, LV).
"Por contraditório deve entender-se, de um lado, a
necessidade de dar conhecimento da existência da ação e todos os atos do processo às
partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhe sejam
desfavoráveis. Os contendores têm direito de deduzir suas pretensões e defesas, de
realizar as provas que requereram para demonstrar a existência de seu direito, em suma,
direito de serem ouvidos paritariamente no processo em todos os seus termos"
(NELSON NERY JR. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. T
ed. São Paulo: Ed. Ver. dos Tribunais, 2002, p. 137).
É óbvio que nada disso é possível, se a parte não
expõe com precisão os fatos e fundamentos jurídicos do seu pedido, mas fica só
nas divagações genéricas, nas teses e teorias, nas lamentações, até porque, como
já dito, "o fato indefinido é insuscetível de prova".
Portanto, com todo o respeito, não se vê mácula
alguma no laudo pericial, que se ateve ao único negócio concretamente
demonstrado nos autos, qual seja, aquele consubstanciado no documento de fls.
25/30.
E além de tudo esse negócio tem seus contornos
independentes de quaisquer outros porventura feitos, pois identifica cada uma das
duplicatas (fls. 26) vinculadas à operação, dispensando assim, ao menos para os
fins desta ação, a verificação de outros eventuais anteriores negócios.
Enfim, patente a falta de razão no que tange ao
agravo retido.
Cerceamento de defesa também não houve,
observado que, ao contrário do que diz a apelante, foi sim dada oportunidade para
oferecimento de quesitos e indicação de assistentes técnicos (vide fls. 146).
No mérito, a sorte da apelante não é melhor.
Em operações de fomento não há propriamente
"juros", mas contraprestação pelos serviços de cobrança, levando em conta
diversos fatores, tais como, o tempo, taxa de risco, custos operacionais, impostos
etc.
A remuneração do faturizador consiste assim, como
bem explica ANTÔNIO CARLOS DONINI, em "fator de deságio" (diferencial ou
comissão) entre o valor de face do título cedido e o pagamento feito pela empresa
defactoring (Factoring. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 21).
Demais, conforme salientou a r. sentença (fls. 239),
"realizada perícia contábil (fls. 174/193), constatou o perito que não houve capitalização
de juros".
A verba honorária foi fixada com razoabilidade e
merece ser mantida, considerados o trabalho despendido e a natureza da causa.
De resto, para que não se alegue omissão, anota-se
que nem de longe houve violação ou negativa de vigência aos dispositivos legais
invocados a esmo pela apelante. E isso é tão claro que dispensa outras
considerações além daquelas acima deduzidas.
Ante o exposto e pelo mais que dos autos consta,
nego provimento ao recurso.
GILBERTO DOS SANTOS
Desembargador Relator

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