terça-feira, 3 de agosto de 2010

Fraude à execução – necessidade da citação do executado – TJSC.

Apelação Cível n. 2006.020021-3, de Urussanga

Relator: Des. Trindade dos Santos

EXECUÇÃO. CHEQUES. EMBARGOS DESACOLHIDOS. FRAUDE À EXECUÇÃO. PRESSUPOSTOS NÃO INTEGRADOS. TÍTULOS INCOMPLETOS. DATA DE EMISSÃO DEFICITÁRIA. EXCLUSÃO, DE OFÍCIO, DO ÂMBITO EXECUTIVO. RECLAMO RECURSAL NÃO ATENDIDO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. REQUISITOS AUSENTES.

1 Não se integra a fraude à execução quando, à época da alienação do bem, ainda que já proposta a ação de execução contra a alienante, não havia sido concretizada a sua citação e quando não provado nos autos que a alienação atacada tenha reduzido a executada à insolvência.

2 Inscrita como requisito essencial da eficácia dos cheques, a data de emissão, quando ausente ou deficitária, os descaracteriza como ordens de pagamento à vista, extraindo-lhes os pressupostos de liquidez, certeza e exigibilidade e, em decorrência, tornando-os inaptos para legitimar o uso do processo de execução.

3 O fato de não nomear a executada à autoria o terceiro a quem havia sido alienado o bem penhorado, não identifica a deslealdade em seu comportamento processual, autorizando o reconhecimento da litigância de má-fé, quando, inclusive, totalmente incompatível com o rito executivo a pretendida nomeação à autoria.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2006.020021-3, da comarca de Urussanga, em que é apelante Ourivaldo Corrêa, sendo apelada Lurdes Dal Bó Lapolli:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Comercial, por votação unânime, negar provimento ao recurso e, de ofício, declarar a nulidade do feito executivo no tocante aos cheques de ns. 144 e 145. Custas de lei.

RELATÓRIO

Ourivaldo Corrêa interpôs recurso de apelação, inconformado com o decisum que, nos autos dos embargos à execução opostos por Lurdes Dal Bó Lapolli, acolheu o pedido da autora e afastou a alegação da embargada de que ocorrera fraude à execução, uma vez que não há nos autos elementos que indiquem que a alienação do imóvel, efetuada posteriormente ao ajuizamento da execucional, pudesse reduzir a devedora à insolvência. Nesse norte, determinou a desconstituição da penhora sobre bem imóvel, condenando a embargada ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 800,00 (oitocentos reais).

Sustenta o apelante que estão evidenciados in casu todos os pressupostos necessários à configuração de fraude à execução, haja vista que a venda do bem ocorreu ulteriormente ao aforamento da execucional e que a insolvência em virtude do negócio foi confessada pela própria devedora ao se manifestar acerca da impugnação aos embargos.
Por fim, requereu a condenação da parte ex adversa nas penas por litigância de má-fé.
Pela recorrida foram ofertadas contra-razões ao apelo deduzido.

VOTO
Insurge-se o recorrente contra decisum que, ao acolher os embargos deduzidos, afirmou a inexistência de fraude à execução, haja vista que, muito embora a alienação do imóvel tenha sido realizada após a deflagração do feito executivo, não fora demonstrado que a venda do bem pudesse ocasionar a insolvência do devedor, conforme reza o artigo 593, inc. II, do CPC.

Todavia, razão não assiste ao apelante.

Prefacialmente ao exame da lide recusal, é de se anotar que, para configurar título passível de execução, o cheque está vinculado à concorrência cumulativa de requisitos essenciais à sua formação e validade jurídica, os quais, ausentes, privam-no de eficácia cambiária, conduzindo, em conseqüência, à carência de pretensão executória. Outrossim, na forma preconizada pelo nosso ordenamento processual civil, toda e qualquer execução há que estar embasada, obrigatoriamente, em título líquido, certo e exigível.

Dentre esses requisitos, alinha-se aquele referente à completa data de sua emissão. Ademais, extrai-se da Lei n. 7.357/85:
Art . 1º O cheque contêm:
[...]

V - a indicação da data e do lugar de emissão;
Nesse norte, preleciona Luiz Emygdio F. da Rosa Jr.:
Data de emissão (inciso V, 1ª parte). Trata-se de requisito essencial, sob pena de retirar do cheque a sua força executiva, porque o cheque deve ser apresentado ao sacado para pagamento nos prazos legais do art. 32 da LC, contados da data de emissão, sendo de 30 (trinta) dias quando emitido em uma praça para ser pago em outra. Entretanto, não se trata de prazo fatal, porque o § único do art. 53 da LC permite que o cheque seja pago pelo sacado, enquanto não consumar o prazo prescricional da ação cambiária de execução. Quando o cheque é emitido em lugares com calendários diferentes, considera-se como de emissão o dia correspondente do calendário do lugar do pagamento (LC, art. 33, § único). A data de emissão é também importante porque permite aferir se o emitente tinha capacidade jurídica para se obrigar mediante cheque no momento de sua emissão, mas a morte do emitente ou sua incapacidade superveniente à emissão não invalidam os seus efeitos (LC, art. 37). Além disso, a data de emissão é igualmente relevante para saber se o mandatário do emitente já havia sido constituído procurador, porque, se tal não ocorreu, o pseudoprocurador ficará pessoalmente obrigado pela emissão do cheque (LC, art. 14). Ademais, este requisito é relevante porque se dois ou mais cheques forem apresentados simultaneamente, sem que os fundos disponíveis bastem para o pagamento de todos, terão preferência os de emissão mais antiga e, se da mesma data, os de número inferior (LC, art. 40). [...] (Títulos de Crédito, 2. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2002).

Sobre o tema, observa Gladston Mamede:
A data deverá ser escrita por inteiro, constando de dia, mês e ano. O dia e o ano são grafados em algarismos, ao passo que o mês é escrito por extenso. Não se admite a substituição do dia e mês por indicação do evento havido no calendário oficial, a exemplo de Natal de 2001. Não é lícito rasuras, mesmo que para consertar meros erros materiais, como a emissão, em 2003, de cheque com o ano de 2002, pela força do hábito. Diante do erro, será necessário criar nova cártula (Títulos de Crédito, São Pailo: Atlas, 2003).

Em acréscimo, destaquem-se os ensinamentos de Paulo Restiffe Neto:
Trata-se de elemento essencial, no sentido de que não é suprível a ausência da data de emissão, conforme preceituação explícita do art. 2º, caput, da lei interna, que não dispõe de nenhuma ressalva quanto à nulidade que a falta desse requisito temporal implica; o que não se confunde, todavia, com a faculdade de completamento da data faltante, que é possível antes do uso público do cheque (Lei do Cheque, São Paulo: RT, 2003, p. 70).

Execução fulcrada em título judicial ou extrajudicial em que não se integrem os requisitos assim delineados é execução nula.

É o que diz, de modo expresso, o art. 618 do Código de Processo Civil, ao enunciar:
É nula a execução:
I - se o título executivo não for líquido, certo e exigível (art. 586);
Assim, haja vista a nulidade do feito executivo que se funda em título que se reveste de liquidez, certeza e exigibilidade, faz-se necessário o exame de tal matéria ex officio, mesmo em grau recursal, vez que se qualifica como de ordem pública.

Disse, a respeito, o egrégio Superior Tribunal de Justiça:
Não se revestindo o título de liquidez, certeza e exigibilidade, condições basilares exigidas no processo de execução, constitui-se em nulidade, podendo a parte argúí-la, independentemente de embargos do devedor, assim como pode e cumpre ao juiz declarar, de ofício, a inexistência desses pressupostos formais contemplados na lei processual civil (REsp. n. 13.960-SP, rel. Min. Waldemar Zweiter, in RSTJ 40/447).

Também assim manifestou-se este Pretório:
Nulidade da execução por falta de liquidez do título. Inteligência dos arts. 586 caput e 618, inc. I do CPC.

Não se revestindo o título de liquidez, condição exigida pelos arts. 586 caput e 618, inc. I, do CPC, identifica-se nulidade, que, como vício fundamental, pode e deve ser declarada de ofício pelo juiz, ante a inexistência de pressuposto formal para o processamento de execução (Ap. Cív. n. 47.621, da Capital, rel. Des. Nelson Schaefer Martins).

In casu, atentando-se para as cambiais acostadas aos autos, observa-se que os cheques de ns. 144 e 145 não possuem completa data de emissão, motivo pelo qual, de ofício, reputa-se ineficaz a execução ajuizada no que corresponde ao quantum dos três mencionados cheques.
Nesse sentido, extrai-se da jurisprudência pátria:
APELAÇÃO CÍVEL. ARGÜIÇÃO DE NULIDADE DOS TÍTULOS EXECUTIVOS. CONDIÇÃO DA AÇÃO. CHEQUE NOMINATIVO. FALTA DE ENDOSSO. CHEQUES INCOMPLETOS. EXECUÇÃO. NULIDADE. I - Tratando-se de condições específicas da execução, as nulidades argüidas devem ser examinadas em qualquer fase de seu curso, inclusive de ofício. II - A transmissão dos direitos do portador legitimado de título nominativo só se opora mediante endosso. III - A execução, obrigatoriamente, deverá ser instruída com títulos que contenham os pressupostos de liquidez, certeza e exigibilidade. Cheques incompletos e sem data de emissão não se prestam para instruir a execução, pois não tem força executiva. lV - Recurso provido. Processo extinto, nos termos do art. 267, VI do Código de Processo Civil. Decisão unânime (TJGO, AC-PSum 72387-9/190, Proc.200301643720, de Aparecida de Goiânia, rel. Des. Marília Jungmann Santana).

EMBARGOS A EXECUCÃO. CHEQUE. AUSÊNCIA DE DATA DE EMISSÃO. DESCARACTERIZACÃO COMO TÍTULO EXECUTIVO. A DATA DE EMISSÃO DO CHEQUE É REQUISITO DE VALIDADE DO TÍTULO, CUJA FALTA PROVOCA INEFICÁCIA EXECUTIVA. ART-2, COMBINADO COM O ART-1, V, DA LEI N. 7357/85.(4 FLS.) (TJRS, Ap. Cív. n. 70000139139, rel. Des. Maria Isabel Broggini).

Da mesma forma, assinalou este Tribunal de Justiça:
Ação de execução. Falecimento do exeqüente. Representação do espólio. Herdeiro incapaz. Maioridade atingida antes da sentença. Dispensabilidade da intervenção do Ministério Público. Nulidade inexistente.

Juntada de novos documentos. Ausência de intimação da parte contrária. Falta de comprovação de prejuízo. Possibilidade de manifestação a respeito das peças antes da prolação da sentença. Irregularidade não verificada.
Preliminares rejeitadas.

Execução baseada em oito cheques. Seis deles sem a indicação do local e da data da emissão.
Falta do local da emissão. Circunstância que não retira a validade do título, prevalecendo o lugar indicado ao lado do nome do emitente ou, não o havendo, o da praça de pagamento.
Data da emissão. Ausência que descaracteriza o cheque como título executivo.

Cheque. Ordem de pagamento à vista. Princípios da autonomia e literalidade. Desnecessidade de demonstração da causa debendi.

Apelo provido, em parte (grifamos, Ap. Cív. n. 2004.008941-4, de Campos Novos, Des. Subst. Ronaldo Moritz Martins da Silva).

Por conseguinte, ante a inidoneidade das três referidas cártulas para o embasamento do presente feito executivo, devem os atos satisfativos cingir-se ao valor respeitante à soma dos títulos restantes ¿ cheques de ns. 95, 140, 141 e 142.

No tocante ao mérito da questão, previamente à incursão em seu bojo, imperioso faz-se destacar as datas em que os fatos debatidos ocorreram.

De acordo com as informações constantes dos autos, notadamente dos documentos anexados, verifica-se que o ajuizamento da execução ocorreu em 19-4-00, sendo que a executada foi citada em 21-6-00. Por sua vez, a alienação do terreno perfez-se em 9-5-00, conforme se extrai do documento acostado à fl. 3 dos autos.

Extrai-se da Lei Adjetiva Civil:
Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens:
I - [...];
II - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;
Oportuno salientar-se a existência de séria divergência doutrinária e jurisprudencial no tocante à exegese da palavra "corria" constante da dicção do aludido dispositivo. Enquanto alguns jurisconsultos entendem que a citação válida é o marco adequado para a caracterização da fraude à execução, outros, não menos respeitados, proclamam bastar apenas o ajuizamento da ação.

A corrente majoritária considera requisito inafastável para a ocorrência da fraude à execução a necessidade de uma lide pendente, na qual já se tenha ultimado validamente a citação do devedor. A litispendência atesta, sem sombra de dúvida, a ciência da executada de que contra si "corre" a execucional.

Assinala, a propósito do tema, o douto Yussef Said Cahali:
Segundo a lição uniforme da doutrina e o tranqüilo entendimento jurisprudencial, coloca-se como essencial, para a configuração da fraude de execução, o requisito da litispendência; não basta, pois, a simples insolvência do devedor, mas se exige a preexistência de demanda quando da prática do ato considerado fraudulento; ou, na literalidade da disposição legal, a alienação de bens só se considera em fraude de execução, quando, ao tempo da alienação já pendia contra o alienante demanda capaz de alterar-lhe o patrimônio, reduzindo-o à insolvência; só nesta condição, a alienação de bens poderá considerar-se feita em fraude à execução (Fraude Contra Credores. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1989. p. 441).

E arremata:
Portanto, sendo necessário que a demanda que reduza o devedor à insolvência, preceda à alienação de bens, afirma-se reiteradamente que se esta é anterior àquela ação ou se a execução que deu margem à penhora dos bens somente surgiu quando estes não mais pertenciam ao executado, não se pode falar em fraude à execução, diante dos expressos termos do art. 593, II, do CPC: falso o pressuposto da existência de demanda capaz de reduzir o devedor à insolvência, não se pode lobrigar na alienação anteriormente feita, fraude de execução; em outros termos, sem litispendência não se configura a alienação ou oneração em fraude à execução (ob. cit., p. 441).

A respeito da divergência em epígrafe, mister se faz colacionar o ensinamento de Cândido Rangel Dinamarco:
A situação em que o negócio por ser considerado em fraude de execução é o da litispendência, ou seja, pendência do processo. E, como a propositura da demanda inicial só produz efeitos relativos ao demandado a partir da citação (art. 263), só sendo qualificada litigiosa a coisa desde aí (art. 219), segue-se que as alienações feitas antes da citação não podem, em princípio, ser consideradas atentatórias à dignidade da justiça.

Não é rigorosamente indispensável a citação, para que possa configurar-se a fraude contra credores, embora existam muitas manifestações jurisprudenciais nesse sentido.

Por um realista princípio ético que deve presidir as interpretações jurídicas, estando inequivocamente ciente o demandado da demanda proposta fica o ato inquinado de fraude à execução apesar de ainda não citado. Sua efetiva ciência basta para deixar clara a intenção fraudulenta com que tenha desfalcado seu patrimônio (Execução Civil. São Paulo: Malheiros. 3. ed. 1983. p. 280).

Sobre o tema, assim se manifestou o Colendo Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL. PRESUNÇÃO JURIS TANTUM DE BOA-FÉ DO ADQUIRENTE.
1. Para caracterizar a fraude à execução não bastam o ajuizamento da ação e o despacho inicial do juiz determinando a citação, é necessário que tenha ocorrido a citação válida do devedor.

2. Somente ocorre a presunção absoluta do consilium fraudis nos casos de venda de bem penhorado ou arrestado, se o ato constritivo estiver registrado no Cadastro de Registro de Imóveis-CRI.

3. Recurso especial provido (grifamos, REsp. n. 911.660/MS, rel. Min. Castro Meira, j. 10-4-2007).

A respeito, extrai-se dos anais desta Corte
AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO DE SENTENÇA - DECISÃO QUE DECLAROU FRAUDE CONTRA CREDORES - OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO - INOCORRÊNCIA
- Não existe ofensa ao princípio do contraditório, quando o devedor tem ciência da decisão que decretou a fraude contra credores e, inclusive, interpôs o competente recurso, evidenciando a ausência de prejuízo.

FRAUDE CONTRA CREDORES - AÇÃO PAULIANA - MEIO PRÓPRIO PARA DISCUSSÃO E RECONHECIMENTO
- O credor, objetivando provar a existência de fraude contra credores, deve fazer uso do meio processual adequado, qual seja, a ação pauliana, meio cabível para anular o ato jurídico para todos os fins e efeito.

FRAUDE À EXECUÇÃO - LITISPENDÊNCIA E INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR - REQUISITOS NÃO CONFIGURADOS - REFORMA DO DECISUM
- Para que se reconheça a ocorrência de fraude à execução, com supedâneo no art. 593 do CPC, faz-se necessário que a alienação tenha sido posterior à citação válida do devedor, e que a transferência do bem seja capaz de levá-lo a insolvência. Se a venda do imóvel foi anterior à citação, e havendo outro bem penhorado capaz de garantir a dívida, é de se afastar a fraude à execução.

MULTA DO ART. 601 DO CPC - ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA NÃO CONFIGURADO - AFASTAMENTO
- A multa prevista no art. 601 do CPC somente merece ser aplicada quando o devedor pratica ato atentatório à dignidade da justiça. Arredada a fraude à execução, não merece prosperar a condenação do devedor ao pagamento da mesma.
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO (grifamos, AI n. 2004.01236-9, de São José, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz).

Embargos de terceiro. Fraude à execução. Alienação anterior à litispendência. Desconfiguração.

É entendimento já consolidado na doutrina e na jurisprudência que a alienação de bem objeto de execução, quando precedente ao ato citatório, não caracteriza fraude à execução, não obstante possa entremostrar a existência de fraude contra credores. Essa orientação ampara-se na premissa de que somente a citação válida perfectibiliza a relação jurídico-processual, agregando os sujeitos da clássica tríade (autor/réu/juiz), de sorte a compor aquilo que os romanos designavam actus trium personarum (Ap. Cív. n. 98.013274-6, de Orleans, rel. Des. Pedro Manoel Abreu).

Em consonância com o entendimento exposto, julgamos:
EMBARGOS DE TERCEIRO. Veículo. Penhora em ação de execução. Transferência do bem, pelo executado, após a sua citação. Litispendência instalada. Má-fé do adquirente. Irrelevância, no caso. Sentença confirmada. Reclamo apelatório desacolhido.
Considera-se em fraude à execução, levando à improsperabilidade os embargos de terceiro deduzidos pelo adquirente, a alienação, pelo executado, de veículo de sua propriedade, quando já se formara a litispendência, com a sua citação para o processo executivo contra si promovido. Para essa caracterização, irrelevante é o fato de haver o adquirente atuado de boa-fé, sendo suficiente, para a lei, que, ao tempo da alienação, esteja em tramitação demanda capaz de alterar o patrimônio do demandado, levando-o à insolvência (Ap. Cív. n. 2004.004321-0, de Chapecó).

Portanto, iniciada a execução, com a citação válida do executado, a posterior alienação de bens pelo devedor, reduzindo-o à insolvência, caracteriza fraude à execução, hipótese essa que, no entanto, não é a situação dos autos vertentes.

Isso porque, muito embora, em face da declaração da própria embargante, a qual asseverou a condição de bem de família do imóvel apontado pelo exeqüente à fl. 9 dos autos e não indicou outros bens à penhora, haja veementes indícios acerca da insolvência da executada, constata-se a inexistência de concilium fraudis, requisito indispensável à configuração da fraude à execução, haja vista que a alienação se efetuou previamente ao chamamento da executada para se defender em juízo. Ademais, ressalte-se que carecem os autos de quaisquer elementos de prova que evidenciem que, anteriormente ao ato citatório, tinha a apelada ciência da propositura do feito executivo.

Nesse norte, desvela-se a plena eficácia da alienação do imóvel constrito, razão pela qual se evidencia a insubsistência da penhora realizada sobre o aludido bem.
Pleiteia o apelante, ademais, a condenação da recorrida nas penas por litigância de má-fé, por se furtar à execução e por não proceder à nomeação à autoria em relação ao bem que argüiu pertencer a terceiro.

Todavia, nesse tópico também não assiste razão à insurgente, haja vista que, conforme supra assinalado, não se vislumbra a ocorrência de fraude no ato de alienação do imóvel constrito, cuja transferência de propriedade se concluiu anteriormente à citação do feito executivo, razão pela qual não se identifica deslealdade no comportamento processual da embargante.

Ademais, reputa-se inconcebível a nomeação à autoria exigida pela exeqüente, em virtude da absoluta incompatibilidade com o feito executivo em curso e em razão do não enquadramento da situação em foco nas hipóteses previstas nos artigos 62 e 63 do Código de Processo Civil. Acerca dos mencionados dispositivos, preleciona Cândido Rangel Dinamarco:
Nomeação à autoria é o pedido feito pelo réu, de ser excluído da relação processual por ilegitimidade ad causam, sendo sucedido por um terceiro. O réu nomeia-o à autoria, i.é., indica-o como o verdadeiro responsável, requerendo que venha a ser citado. São duas as hipóteses gerais de admissibilidade dessa intervenção provocada.

Pelo art. 62 do Código de Processo Civil, aquele que detiver a coisa em nome alheio, sendo-lhe demandada em nome próprio, deverá nomear à autoria o proprietário ou possuidor.

Quem detém a coisa em nome alheio não passa de mero detentor e, como tal, não é parte legítima para as demandas de pessoas que pretendam a posse do em. Compreende-se nessa hipótese tanto as causas que versem direitos reais, como pessoais (ações reivindicatórias, possessórias; comodato, locação).

O art. 63 cuida da nomeação a ser feita pelo réu de demanda de condenação a indenizar. Admite-se que ele a faça, quando tiver agido em situação de dependência a outrem, de quem haja recebido ordens ou instruções para o ato que realizou. Mas é indispensável que se trate de ordens ou instruções, técnicas inclusive, que o réu não pudesse deixar de atender: se ele tivesse poder de decisão e houvesse participado com parcela de sua vontade, não será parte ilegítima ad causam e, por isso, falecer-se-ia o poder de nomear o responsável à autoria. Só tem direito à nomeação aquele que seja mero causador direto dos danos, sem responder por eles perante a lei civil.

Como essas situações não são configuráveis in executivis, no processo de execução a nomeação é inadmissível (Instituições de Direito Processual Civil, 3. ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 395-396).

Conseqüentemente, por não se verificarem in casu os pressupostos de ordem subjetiva imprescindíveis para a caracterização da litigância de má-fé, atinentes ao dolo ou à culpa grave da recorrida, mantém-se incólume a presunção de boa-fé da atuação da executada.

Segundo a ensinança sempre atual de Pontes de Miranda:
Presume-se de boa-fé quem vai litigar, ou está litigando, ou litigou. Tal presunção somente pode ser elidida in casu e quando haja má-fé, propriamente dita; a apreciação do exercício abusivo do direito tem que partir daí (Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Forense, Tomo I, 1973, p. 385).

A propósito, tem o Superior Tribunal de Justiça assim sumariado:
PROCESSUAL CIVIL. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. RECONHECIMENTO. PRESSUPOSTOS.

I - Entende o Superior Tribunal de Justiça que o artigo 17 da Código de Processo Civil, ao definir os contornos dos atos que justificam a aplicação de pena pecuniária por litigância de má-fé, pressupõe o dolo da parte no entravamento do trâmite processual, manifestado por conduta intencionalmente maliciosa e temerária, inobservado o dever de proceder com lealdade.

II - Na interposição de recurso previsto em lei, cujos defeitos se devem à inequívoca inaptidão técnica do patrono da parte, não se presume a má-fé, para cujo reconhecimento seria necessária a comprovação do dolo da parte em obstar o trâmite do processo e do prejuízo da parte contrária, em decorrência do ato doloso.

Recurso conhecido e provido (REsp n. 418.342/PB, rel. Min. Castro Filho, j. 11-6-2002).
Deste entendimento não diverge a jurisprudência deste Sodalício, em cujos anais se registra:
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - INTUITO PROTELATÓRIO - INOCORRÊNCIA - EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO.
Para se confirmar a litigância de má-fé é necessário comprovar que a parte tenha se utilizado de meios inidôneos ou imorais durante o transcurso do feito, buscando tumultuar a lide ou ludibriar o julgador. A interposição de recursos para discutir matéria controversa não pode ser encarada como objetivo manifestamente protelatório (Ap. Cív. n. 2006.011569-1, de Blumenau, rel. Desa. Salete Silva Sommariva).

Da mesma forma, adotamos a seguinte orientação:
INDENIZAÇÃO. Duplicata mercantil. Protesto indevido. Anulatória cumulada com ressarcimento de danos morais. Acolhimento. Instituição financeira. Ilegitimidade passiva. Não configuração. Conduta destituída de ilicitude. Prejuízos não comprovados. Irrelevância.

Exagerabilidade da quantificação indenizatória. Argumento refutado. Litigância de má-fé.

Pressupostos ausentes. Pleito insurgencial desatendido.

[...]
V. Apenas quando inspirada na intenção de prejudicar é que se torna admissível o reconhecimento da litigância de má-fé, com o acometimento, à parte, da correspondente sanção. E a interposição de recurso pela parte vencida na busca de obter a reversão do 'decisum' que lhe foi desfavorável, inserindo-se no direito assegurador de uma ampla defesa e no do duplo grau de jurisdição, não caracteriza o abuso de direito reprimido em lei (Ap. Cív. n. 2004.000556-3, de Lages)
Isso posto, ante a eficácia perante a execucional da alienação do bem constrito a terceiro, e em face da não verificação de má-fé na conduta da apelada perante o processo, é imperioso que se mantenha incólume o comando da sentença combatida, negando-se provimento ao recurso interposto.

DECISÃO
Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso e, de ofício, declara-se a nulidade do feito executivo no tocante aos cheques de ns. 144 e 145.

Participaram do julgamento, realizado no dia 4 de outubro de 2007, os Exmos. Srs. Des. Nelson Schaefer Martins e Roberto Lucas Pacheco.

Florianópolis, 23 de outubro de 2007.

Trindade dos Santos

PRESIDENTE E RELATOR

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